• Possíveis conseqüências da crescente longevidade no Brasil: perspectiva de um demógrafo Current Comments

    Imhof, Arthur E.

    Resumo em Português:

    Em 1985, as pessoas com mais de 60 anos de idade representavam 6,6% da população total do Brasil, enquanto na República Federativa da Alemanha esta proporção era, em 1984, de 20,3%; em 1950 havia chegado aos 14,5%. Esta proporção não será alcançada no Brasil, nem mesmo no ano 2000, pois se prevê que as pessoas acima de 60 anos comporão 8,8% da população total. Da mesma forma, no período 1982/84 a expectativa de vida ao nascer na República Federativa da Alemanha era de 70,8 anos, para homens, e de 77,5, para mulheres. No Brasil, para 1980/85, foi de 61,0 e 66,0, respectivamente. Com este pano de fundo entende-se porque o debate sobre o envelhecimento da sociedade com os seus múltiplos problemas - médicos, econômicos, individuais e sociais - tem demorado a assumir qualquer destaque no Brasil. Embora sejam importantes no Brasil estas considerações, elas constituem, no entanto, presentemente, apenas um lado da história. Para um europeu estudioso de demografia histórica com a vantagem de uma visão de 300 ou 400 anos, o outro lado da história é igualmente importante. O fato de a longevidade estar 10 anos mais baixa no Brasil não significa que ninguém nesse país viva até a idade avançada. Em 1981, pessoas de 65 anos ou mais representaram 34,4% do total de óbitos; ao mesmo tempo a mortalidade infantil representou 22,1% da mortalidade geral. Estas e as mortes "prematuras" entre jovens e adultos são responsáveis pela baixa cifra da vida média. Na Europa, por outro lado, as mortes "prematuras" já não desempenham importante papel. Mais da metade das mulheres (52,8%) da Alemanha sobreviveram até 80 anos de idade, de 1982/84, e quase metade dos homens (47,3%) sobreviveram até 75 anos. A durabilidade da vida é hoje garantida de tal forma que teria sido inconcebível há poucas gerações. O tripé clássico de "peste, fome e guerra" ameaçava os nossos antepassados em todos os lugares e todo tempo. A transição radical de uma vida anteriormente incerta para a vida segura atual, resultado da repressão daquele tripé, levou a conseqüências imprevistas para o convívio em comunidade. Nossos antepassados eram obrigados a viver em sociedade, bem integrados na busca de sua sobrevivência física, e subordinar seus dejetos pessoais aos valores comuns; mas, agora, ao menos na sua maior parte, estas pressões desapareceram. O ego, com muito mais segurança, passou a ocupar lugar de destaque. Um número crescente de pessoas tem optado por uma vida solitária: o número de casamentos diminui a cada ano, o número de divórcios aumenta; em Berlim Ocidental, mais da metade (52,3%) das "famílias" já se compõe de uma só pessoa. Durante os últimos 6 anos o número anual de nascimentos foi insuficiente para assegurar a reposição da população. O problema da Alemanha não é de explosão demográfica e, sim, de implosão. Os seres humanos já não parecem ser "animais sociais", como se supunha. Na verdade, a "peste, fome e guerra" os obrigavam a este comportamento. Quando estas condições ameaçadoras se modificaram e a vida se tornou mais segura, mesmo sem estarem integrados numa sociedade, os seres humanos vêm se tornando cada vez mais solitários. Não é a existência de população acima de 60 ou 65 anos que se constituiu um fator decisivo neste contexto, mas, sim, a percepção dos adultos de sua condição humana, desde que são eles que organizam suas vidas, que constroem comunidades e que com freqüência cada vez maior contraem uniões pessoais como um fim em si mesmo, sem laços chegados ou duradouros ou responsabilidades mútuas. Uniões estas que fazem com que as pessoas convivam sem um verdadeiro relacionamento mútuo. Há vários sinais que parecem indicar tendência nesta direção, também no Brasil. Mais e mais adultos estão envolvidos nesta profunda transição de uma vida incerta para outra mais segura. Um terço deles morre depois de ter alcançado seu 65.º aniversário. Já é tempo, pois, de levar em consideração este outro lado da história no Brasil. E quem melhor para estudar estas perspectivas, a longo prazo, do que aqueles da área da Saúde Pública, a quem compete, afinal, lidar com aspectos tais como "certeza de vida", expectativa de vida e "idade ao morrer".

    Resumo em Inglês:

    Those over sixty years of age accounted for 6.6% of the total population of Brazil in 1985, in the Federal Republic of Germany this proportion was 20.3% in 1984. As early as 1950 it had been 14.5%. This proportion will not even be reached in Brazil in the year 2000 when persons aged sixty years and older are only projected to make up 8.8% of the total population. Similarly, in 1982/84 life expectancy at birth in the Federal Republic was 70.8 years for men and 77.5 for women; in Brazil the figures for 1980/85 were, by contrast, "only" 61.0 and 66.0. Against this background it is easy to understand why the discussion concerning an ageing society with its many related medical, economic, individual and social problems has been so slow in coming into its own in Brazil. As important as a more intensive consideration of these aspects may be in Brazil at present, they are, nevertheless, only one side of the story. For a European historical demographer with a long-term perspective of three of four hundred years, the other side of the story is just as important. The life expectancy which is almost ten years lower in Brazil is not a result of the fact that no one in Brazil lives to old age. In 1981 people sixty-five years and older accounted for 34.4% of all deaths! At the same time infants accounted for only 22.1% of total mortality. They are responsible, along with the "premature" deaths among youths and adults, for the low, "average" life expectancy figure. In Europe, by contrast, these "premature" deaths no longer play much of a role. In 1982/84 more than half of the women (52.8%) in the Federal Republic of Germany lived to see their eightieth birthdays and almost half of the men (47.3%) lived to see their seventy-fifth. Our biological existence is guaranteed to an extent today that would have been unthinkable a few generations ago. Then, the classic troika of "plague, hunger and war" threatened our forefathers all the time and everywhere. The radical transition from the formerly uncertain to a present-day certain lifetime, which is the result of the repression of "plague, hunger and war", led to unexpected consequences for our living together. Our forefathers were forced to live in closely knit Gemeinschaften in the interest of physical survival and to subordinate their egoistic goals to a common value, but now these pressures have, for the most part, fallen away. Correspondingly, this much more certain EGO has taken center stage. An ever greater number of us chooses to live life as single beings: the number of marriages is lower every year; the number of divorces is on the increase; in Berlin (West) more than half (sic! 52.3%) of all households are already composed on only one person. For the last dozen years the annual number of births in the Federal Republic has been insufficient to ensure population replacement. Not a population explosion but rather the opposite, a population implosion, is our problem. Human beings do not appear to be "social animals", as was axiomatically assumed for so long. They were only forced to behave as such for as long as "plague, hunger and war" forced them to do so. When these life endangering conditions no longer exist and life becomes certain even without their being integrated into a Gemeinschaft then humans suddenly show themselves more and more to be independent single beings. It is not the percentage of the population that is over sixty or sixty-five that is decisive in this context but rather how certain adults perceive their biological lives to be, since they are the ones who organize their lives, who build communities or who are ever more often willing only to enter into means-to-an-end personal unions without lasting or close ties and mutual responsibilities. There are many signs which seem to point to a development in this direction in Brazil as well. More and more adults in Brazil are caught up in the deep-seated transition from an uncertain to a certain lifetime. A third of them die after having reached their sixty-fifth birthday. It therefore seems to me to be high time that one began to give more consideration to the other side of the story in Brazil as well. And who is more suited intensively to consider the long-term perspectives than those engaged in the public health sector in whose competence, after all, such aspects, as "life certainty", "life expectancy" and "age at death" belong?
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br